OS MEUS POETAS FAVORITOS

ANTONIO GEDEÃO


  Poema da Auto-Estrada

     Voando vai para a praia
     Leonor na estrada preta
     Vai na brasa de lambreta.

     Leva calções de pirata, 
     Vermelho de alizarina 
     modelando a coxa fina 
     de impaciente nervura.  
     Como guache lustroso, 
     amarelo de indantreno 
     blusinha de terileno 
     desfraldada na cintura.

     Fuge, fuge, Leonoreta.
     Vai na brasa de lambreta.  
     Agarrada ao companheiro 
     na volu'pia da escapada 
     pincha no banco traseiro 
     em cada volta da estrada.  
     Grita de medo fingido, 
     que o receio nao e' com ela, 
     mas por amor e cautela 
     abraça-o pelo cintura.  
     Vai ditosa, e bem segura.

     Como rasgão na paisagem 
     corta a lambreta afiada, 
     engole as bermas da estrada 
     e a rumorosa folhagem.  
     Urrando, estremece a terra, 
     bramir de rinoceronte, 
     enfia pelo horizonte 
     como um punhal que enterra.  
     Tudo foge 'a sua volta, 
     o ceu, as nuvens, as casas, 
     e com os bramidos que solta 
     lembra um demonio com asas.

     Na confusão dos sentidos 
     ja' nem percebe, Leonor, 
     se o que lhe chega aos ouvidos 
     sao ecos de amor perdidos 
     se os rugidos do motor.

     Fuge, fuge, Leonoreta
     Vai na brasa de lambreta.

    in "Máquina de Fogo", 1961



Antonio Gedeão, a quem muito devo, tanto como poeta como na sua personna de Romulo de Carvalho, continua activo, agnostico inamovivel, e afectuoso como sempre, por ocasião do seu 90o aniversario. Ao meu professor de fisica no Liceu Pedro Nunes, ao nosso querido poeta, e como parte da homenagem em curso neste espaço virtual que é a www, aqui fica um testemunho simples da marca indelével que continua a traçar nas Pedras ao seu alcance. Bem haja.


pfa@mit.edu

visitas: